N’O Processo encontramos algo que é indiscutível em toda a obra de Kafka, marcas do que Steiner nota, interrogando-se, ao entrar no tratamento dos estudos temáticos, como um terceiro domínio da Literatura Comparada, e que é a ideia de que há apenas uma história perpetuamente retomada, um tema somente a dominar as literaturas ocidentais, desde as mais remotas e estruturadoras manifestações dos mitos helénicos às respectivas actualizações literárias posteriores:
«It has been argued that there is, as Robert Graves pronounced, ‘one story, and one story only’: that of ‘The Quest’ (...) Analysis, notably by Russian formalists and structural anthropologists, has confirmed the remarkable economy of motifs the recurrent, rule-bound techniques of narrative which prevail in mythologies, folk-tales, and the telling of stories in literature the world over.»
(Steiner: 1994).
Mas em Kafka, e concreta e exemplarmente n’O Processo, se se confirma a presença desta monovalência temática de fundo, ela constitui uma torção dos pólos do bem e do mal, que se fundem e confundem, e é, além de tudo, toda ela agónica, não tendo por recompensa quaisquer paliativos, quaisquer indícios de satisfação, vivendo, bem pelo contrário, da insatisfação e da hybris, isto é, do erro desencadeado e inestancável que conduzirá à morte, devorando absolutamente todas as hipóteses alternativas, ainda que a condicional ‘se’ seja um dos recursos inventivos da literatura mais fantásticos porque permite achar saídas, insuspeitos desfechos e sustentar lendas, não são em Kafka operativos, mas mero mediador retórico do à partida invalidado:
«It is, moreover, distinctly possible that the mechanics of theme and variation, essential to music, are incised also in language and representation. It may be that a ‘formulaic’ way of telling the same story differently – observe our Westerns – is an impulse of quasi-genetic force.»
(Steiner: 1994)
Destituída dos mais ténues vestígios de kalogagatya, a personagem kafkiana releva dessa construção de visões e de mundos onde se materializa aquilo a que Elias Canetti, no prefácio à edição das Cartas a Felice, refere como sendo uma fobia ao poder, sentido e exercido:
«... temendo o poder sob todas as suas formas, o verdadeiro objectivo da sua vida consistiu em evitá-lo igualmente sob todas as formas, pressentindo-o, descobrindo-o, nomeando-o e representando-o em toda a parte onde os outros não se apercebem dele».
O capítulo nono de O Processo pode ser visto como o ponto crítico do romance, pois a misteriosa ida à Catedral de Praga e o diálogo com o padre é a chegada a um auxílio ou ao seu completo oposto. Atravessar as narrativas kafkianas representa um trânsito pelo espinhoso e antecipa a noção de que se trata de um espaço de passagem do nada para coisa alguma.
«It has been argued that there is, as Robert Graves pronounced, ‘one story, and one story only’: that of ‘The Quest’ (...) Analysis, notably by Russian formalists and structural anthropologists, has confirmed the remarkable economy of motifs the recurrent, rule-bound techniques of narrative which prevail in mythologies, folk-tales, and the telling of stories in literature the world over.»
(Steiner: 1994).
Mas em Kafka, e concreta e exemplarmente n’O Processo, se se confirma a presença desta monovalência temática de fundo, ela constitui uma torção dos pólos do bem e do mal, que se fundem e confundem, e é, além de tudo, toda ela agónica, não tendo por recompensa quaisquer paliativos, quaisquer indícios de satisfação, vivendo, bem pelo contrário, da insatisfação e da hybris, isto é, do erro desencadeado e inestancável que conduzirá à morte, devorando absolutamente todas as hipóteses alternativas, ainda que a condicional ‘se’ seja um dos recursos inventivos da literatura mais fantásticos porque permite achar saídas, insuspeitos desfechos e sustentar lendas, não são em Kafka operativos, mas mero mediador retórico do à partida invalidado:
«It is, moreover, distinctly possible that the mechanics of theme and variation, essential to music, are incised also in language and representation. It may be that a ‘formulaic’ way of telling the same story differently – observe our Westerns – is an impulse of quasi-genetic force.»
(Steiner: 1994)
Destituída dos mais ténues vestígios de kalogagatya, a personagem kafkiana releva dessa construção de visões e de mundos onde se materializa aquilo a que Elias Canetti, no prefácio à edição das Cartas a Felice, refere como sendo uma fobia ao poder, sentido e exercido:
«... temendo o poder sob todas as suas formas, o verdadeiro objectivo da sua vida consistiu em evitá-lo igualmente sob todas as formas, pressentindo-o, descobrindo-o, nomeando-o e representando-o em toda a parte onde os outros não se apercebem dele».
O capítulo nono de O Processo pode ser visto como o ponto crítico do romance, pois a misteriosa ida à Catedral de Praga e o diálogo com o padre é a chegada a um auxílio ou ao seu completo oposto. Atravessar as narrativas kafkianas representa um trânsito pelo espinhoso e antecipa a noção de que se trata de um espaço de passagem do nada para coisa alguma.
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