Entrar e sair do Capítulo Nono de O Processo — Um Fio de Ariana Interpretativo

sábado, 1 de setembro de 2007

12. KAFKA OU O CONCLUIR DA NECESSÁRIA INCONCLUSIVIDADE

Foi precisamente perante o peso e a espessura deste autor, do romance referido e do seu protagonista, no que neles há de provocador, porque esfingicamente indecifrável, que quis desenrolar uma nova reflexão em torno de linhas de leitura mutuamente remissíveis da superfície – os valores da adversatividade e da interrogação, no plano morfológico – à profundidade do texto, no plano semântico. Estando os textos kafkianos ancorados ao tempo e à realidade social e estando numa tradição de apresentação do mundo como labirinto, de ausência de chão, da uma permanente falta da melhor orientação, como activar quanto de poético cabe à crítica literária absorver do seu objecto e possa constituir, em si mesmo e como testemunho pessoal, algo de absolutamente único? A aspiração de criar, de extrair do nada, do fazer novo, (articulados ao profundo e devorador desejo de ser lido), por muito ilusória que seja, é-nos, aos homens, congénita, mesmo quando se trata da construção de narrativas onde o indivíduo é insignificante, recordado da sua insignificância, e progressivamente despojado da sua dignidade, como acontece em Kafka. Mas nele tudo isto deve ser visto como o desconforto que nos acorda, a perturbação que nos alerta para as possibilidades, e tantas vezes a dura, trágica e catastrófica concretização, da violência, da opressão, da maldade. Aí, Kafka, todo ele, absorve uma espécie de dimensão profilática dos excessos da espécie humana, na medida em que, expondo-os nas suas narrativas, se gera um processo de denúncia para que mais vincada possa ser a rejeição daqueles por parte do indivíduo.

Mas as massas, volúveis e manejáveis pelos poderosos gestores da violência usurpadora que ainda campeiam impunes nos nossos dias, não são passíveis de integrar este processo.

__(1) Descemos por uma rampa formada por um enorme deslizamento de pedras, causado provavelmente por um terremoto ou pela contínua erosão. O barranco derrubado esculpia vários caminhos íngremes e irregulares da beira do precipício até em baixo, permitindo a descida com dificuldade. Quando descíamos por esse caminho tortuoso, encontramos, na beira do barranco destruído, o Minotauro de Creta. O touro ficou tão enfurecido quando nos viu que mordeu as suas próprias mãos de raiva. Mas Virgílio logo o repeliu, gritando: (...) (excerto traduzido de A Divina Comédia, Canto XI, O Inferno, vv. 1-9).

2 comentários:

helenabranco.poet@gmail.com disse...

CONCLUSIVO.
estive em PRAGA há dois anos dentro do Museu ...KAFKA é um documento psicanalítico do medo humano! apiedei-me do homem que escreveu- " a gaiola saiu à rua à procura de um pássaro..." nada mais sozinho...

Tão obrigada fico prezado JOSHUA pelo seu documento
Abraço

George Sand disse...

Penso que é na "Carta ao pai", que o auto desce ao mais profundo de si mesmo. Fá-lo num sentido de fuga para dentro, para fugir à figura opressora que é ao mesmo tempo originadora das questões essenciais, e nese caso libertadora e reveladora.
Um dos textos que Kafka não queria ver publicados, mas de enorme importancia para a percepção da sua obra.