Entrar e sair do Capítulo Nono de O Processo — Um Fio de Ariana Interpretativo

sábado, 1 de setembro de 2007

5. LEITOR VS. TEXTO: UMA LUTA DESPROPORCIONAL

Kafka é e será sempre difícil: em face das suas narrativas desencadeia-se um combate de que o leitor terá de sair derrotado, mas somente porque a luta é desigual: o texto possui a impenetrabilidade de uma Tróia sitiada e não há estratagemas ulisseus que bastem ou ousadia e valor quanto ao cerco que se lhe monte. Mas é justamente por isso que prevalece. Nos seus textos e, como temos visto e exemplificado, também no capítulo nono de O Processo, as inúmeras questões levantadas pelo protagonista não têm resposta e se para elas há algo que se assemelhe a uma chave, ela pode estar na própria estrutura que vive precisamente do paradoxo e da suspensão, mas pode também não estar. Do que é necessário ter consciência é que as nossas leituras circulam e laboram em torno de sucessivos «não sabemos». Pode dizer-se muito e sempre se disse efectivamente muito sobre Kafka, mas é necessário que se reserve suficiente espaço para o que não sabemos.

Muito do que se escreveu criticamente sobre ele, aliás, embora globalmente válido e interessante do ponto de vista documental e crítico, foi por vezes contaminado por dogmatismos ideológicos e marcado pelas tendências estéticas a eles ancoradas de um século tão convulsionado como o anterior. Por isso, de certa forma, no acesso directo ao texto kafkiano, sem mediações críticas prévias, a não ser a mediação mínima tradutória, tudo permanece em aberto e julgo que poderei mostrar alguns exemplos e ideias, uns e outras, espero, não inteiramente devedores nem decorrentes, muito menos servis, do muito que já foi escrito.

Estilística e tematicamente radiografado por inúmeros estudiosos ao longo de boa parte do século XX, Kafka ganhou ainda maior e reconhecida importância a partir da sua redescoberta, divulgação e valorização, começando pelo papel fundamental do seu amigo Max Brod, mas também de Walter Benjamin, que, por assim dizer, se lhe assemelhou e às suas personagens centrais, tendo sido ele mesmo, tal como o herói kafkiano, alguém que «vagueia no meio dos seus concidadãos como um anjo caído ou um exilado clandestino» (Ernesto Sampaio, 1987). A sua grandeza deve-se, como diz ainda Sampaio, em prefácio ao Kafka benjaminiano, «à indissolúvel unidade do homem e da obra, ambos marcados pela mesma e dupla problemática: (...) a sua inaptidão para estar neste mundo e a rejeição de todo o poder, seja ele qual for.» (Ernesto Sampaio, 1987).

1 comentário:

Anónimo disse...

Beeem...tu tens tantos blogues que nem soube qual escolher primeiro!Por motivos óbvios escolhi este mal vi Kafka!Vou continuar a minha viagem pela tua escrita :) um beijo,Maria