Entrar e sair do Capítulo Nono de O Processo — Um Fio de Ariana Interpretativo

sábado, 1 de setembro de 2007

6. SÍNTESE DE O PROCESSO

A narração verte-se em dez capítulos, que se apresentam como quadros quase estanques, sucedendo-se por vezes bruscamente, e onde os estados de alma de Joseph K. ou os pressentimentos de uma catástrofe iminente sobre si se acentuam. Os capítulos marcam numa gradação e tensão crescentes, o desespero de Joseph K até à culminância derradeira dessa mesma catástrofe. Joseph K.

Empregado bancário, é preso uma manhã sem motivo especial. O insólito da detenção, acentuado precisamente pela absoluta simplicidade descritiva, desconcerta a personagem, que imediatamente se multiplica em conjecturas. Gozando, apesar de detido, de uma liberdade precária e provisória, procura embrenhar-se no sistema e descobrir a natureza da sua acusação e os seus agentes. É Titorelli quem explica a Joseph K. a questão das absolvições, de que há três tipos: o primeiro é a absolvição definitiva – mas o pintor não conhece caso nenhum em que ela tivesse sido concedida, sabe apenas que consta que já tenham ocorrido. No presente narrado, só há dois tipos: a absolvição aparente e o adiamento. Isto é, o problema da existência da culpa no presente deixa de se colocar – ela existe sempre, ainda que quase nada seja adiantado ao leitor no sentido da sua definição. A evolução também aqui surge em sentido negativo. No seu trajecto, Joseph K. é movido pelo desejo de resolver a situação em que se vê envolvido, como se depreende das estratégias que elabora – vários factores externos, mas sobretudo internos, impedem-no de ver que age circularmente. No final do romance, há uma passagem que é muito importante para a leitura que aqui é feita. Joseph K. é levado por dois funcionários, vê uma janela que se abre de repente:

«... uma figura humana, vaga e imaterial àquela distância e àquela altura, inclinou-se abruptamente para a frente e estendeu os braços ainda mais. Quem seria? Um amigo? Um bom homem? Seria alguém que dele se compadecia? Alguém que o queria ajudar? Seria apenas uma pessoa? Ou seria a humanidade? Estaria a ajuda à mão?»

A própria estrutura do texto aponta para a completa indefinição desta cena e para o seu carácter quase irrelevante: tendo consumido as suas energias numa demanda perfeitamente circular, estas suposições na mente de Joseph K. de nada o libertam porque o tempo já não é de resgate, mas de execução. O que é possível ressalvar é que ele, que sempre lutou, tem até ao fim viva a curiosidade, embora desesperada, sobre a sua culpa, e ainda que deseje salvar-se, já não controla absolutamente nada do seu processo nem da execução para que é preparado e conduzido. Já não parece valer a pena gritar por socorro, tendo como tem diante de si uma figura enigmática, cuja natureza e intenções desconhece, porque a sua exaustão devido ao quando se debateu com o porquê da acusação sobre si, também lhe mina as derradeiras energias de auto-defesa e de fuga.

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